O sólido tríptico: texto, imagem, gesto

Resenha de design do livro “Mala quadrada, cabeça quadrada” no jornal literário Suplemento Pernambuco #152 (Outubro, 2018)

Hana Luzia
3 min readJan 10, 2020
Foto: Divulgação / Caleidoscópio Editora

A origem do livro Mala quadrada, cabeça quadrada partiu de uma experiência da autora do texto, Patrícia Vasconcellos, em uma viagem à Sibéria, na Rússia, em 2004. Em retiro com xamãs siberianos, atrapalhou-se ao puxar uma mala quadrada enorme. Um xamã disse: “mala quadrada, cabeça quadrada”. A frase ficou em sua cabeça por anos até ser transformada na história de uma menina que vivia em um mundo quadrado (metafórica e literalmente), fazendo coisas quadradas, quando um grande acontecimento a torna e a faz viver redonda, momento mais importante da personagem. O centro de transição desses dois mundos, o mundo quadrado e o mundo redondo, é exatamente o meio do livro, onde é visível a costura da encadernação.

Porém, a história é narrada não apenas pelo texto de Patrícia, mas também através de outras duas dimensões que se complementam à linguagem verbal por meios distintos: a linguagem pictórica e gestual.

A linguagem pictórica refere-se à ilustração abstrata e à tipografia. As letras modificam-se de acordo com as mudanças da narrativa, tornando-se mais arredondadas e menos quadradas. A ilustração cria um espaço próprio, em que se utiliza do potencial das cores para transpassar a consciência, afetos, metáforas e alusões. Os tons de cinza e cores, que não se misturam, representam o mundo quadrado, e a fusão e diluição das mesmas representam o mundo redondo. A linguagem gestual é induzida por meio da diagramação do texto, isto é, a organização das palavras provoca a necessidade de girar-se o livro continuamente, a partir do manuseio do leitor. Esta tríade de texto, imagem e gesto é bastante coesa do início ao fim da história, da capa à contracapa, desde o formato triangular do livro — que, quando aberto, torna-se quadrado e quando girado torna-se redondo — até à máxima fusão das três linguagens na última página, enfatizando assim estas três qualidades . Os autores também são três, cada um responsável por uma linguagem: Patrícia Vasconcellos (texto), Gabriela Araújo (projeto gráfico e diagramação) e Eduardo Souza (projeto gráfico e ilustração).

Foto: Divulgação / Caleidoscópio Editora

Além disso, o livro não possui uma exatidão de tempo e espaço, uma história linear, e sim uma transição existencial de uma menina para uma mulher. O início e o fim da história coexistem no centro do livro, na mudança da vida da personagem, como um ciclo interminável, convidando o leitor a reler o livro em busca de novos significados e sentimentos, como um mantra.

Mala quadrada…, por suas três dimensões e por sua narrativa, não apenas se enquadra em um livro ilustrado, no sentido que combina narrativas visuais e verbais (o que não é a mesma coisa que um livro que contém ilustrações), como também não se enquadra apenas no gênero infantojuvenil. Busca maior interatividade do que geralmente é reservado aos livros, uma experiência para qualquer idade.

Outros diferenciais da obra são o formato triangular e a encadernação artesanal, nos quais é demonstrada uma preocupação com a valorização da materialidade do livro, tornando-o único e necessário. A forma do livro, assim como a personagem, questionam: até quando dá para se viver uma vida inteira em um mundo quadrado?

Mala quadrada, cabeça quadrada — Booktrailer — Narração: Lula Queiroga / Motion design: André Menezes / Roteiro: Eduardo Souza
Resenha publicada no jornal literário Suplemento Pernambuco #152 (Outubro, 2018)

INFANTOJUVENIL
Mala quadrada, cabeça quadrada
Autores: eduardo souza, gabriela araujo, Patrícia Vasconcellos
Editora: Caleidoscópio Edições
Páginas: 48
Preço: R$ 65

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Hana Luzia
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Written by Hana Luzia

art director, designer, illustrator & educator based in recife, brazil. www.hanaluzia.com

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