Ninguém está a salvo
Resenha de design no jornal literário Pernambuco #207 (Maio, 2023)
Há mais de 10 anos discute-se a precarização e o futuro do trabalho relacionados à era digital e as consequências de um capitalismo neoliberal com direitos trabalhistas afrouxados ou nulos. Regime CLT é um luxo e ser uma pessoa jurídica é o mínimo, em especial na indústria criativa, que intermedia produção e consumo (design, publicidade, marketing, comunicação, etc). Silvio Lorusso, escritor, artista e designer italiano, faz um recorte justamente na precarização deste setor por meio de um neologismo que intitula a obra: Emprecariado (empreendedor + “precariado”). Traduzida por Eduardo Souza, a 2ª publicação do Clube do Livro do Design, coordenado por Tereza Bettinardi, examina as relações entre precariedade e empreendedorismo, a partir de um estudo sobre a identidade emprecariada dos profissionais “criativos” e as plataformas e ativos que os tornam legíveis.
O destino do emprecariado é traçado por empresários de si que muitas vezes aceitam trabalhos mal (ou não) remunerados em troca de visibilidade, para assim manter uma reputação. Possuem em alguma medida o que Raffaele A. Ventura (autor do posfácio) denomina “disforia de classe”, espécie de idealização de uma narrativa pessoal em detrimento da realidade material. Para esses empresários de si, a manutenção da identidade e do capital simbólico é tão importante quanto o capital financeiro. Em consequência da precarização, são desorientados sobre o tempo e finanças, além de terem uma instável autonomia sobre o processo criativo. São, em geral, estudantes, freelancers e desempregados (ou também empregados que precisam complementar a renda).
A mistificação de um “naturalismo empreendedor” também é encontrada em outros setores, como o das startups, dos coaches. E também no uso de ferramentas que acirram a competitividade e a lógica do sucesso individual, como o LinkedIn, com suas fanfics intermináveis, ou o Instagram e sua lógica de manutenção da imagem, além de aplicativos de gerenciamento para aumentar a produtividade e dos mindsets de “positividade tóxica” – para que nunca se perceba ou se assuma as limitações inerentes da precarização. Assim como a classe média se sente rica, os emprecariados se sentem ricos “de potencial diante de uma crescente pobreza de oportunidades para expressarem seus talentos”. Isso é ainda mais perverso quando o trabalho faz fronteira com a arte, que possui o estigma de não ser um trabalho “de verdade”.
Nota-se também certo privilégio do emprecariado. Apenas uma minoria de trabalhadores precarizados pode escolher ser empreendedores. E quando a precarização não é uma escolha, mas, sim, a única maneira de sobreviver? Neste ponto o livro, cuja visão é do Norte Global, é complementado pelo prefácio do sociólogo Tulio Custódio, aproximando a discussão para o nosso contexto.
Por fim, Lorusso afirma que “isso não é um livro de autoajuda”, portanto ninguém está a salvo. Ao final, o que surge como principal ponto de estratégia é a fuga de qualquer solução individual. É preciso assumir o fracasso para poder traçar as limitações coletivamente, buscando a cooperação e a dignidade.
NÃO-FICÇÃO
Emprecariado
Autor: Silvio Lorusso
Editora: Clube do Livro do Design
Páginas: 288
Preço: R$ 94,90